O pescoço é uma região de transição que une a cabeça ao tronco e membros, por isso abriga muitas estruturas vitais de diferentes sistemas orgânicos, sendo uma área de grande vulnerabilidade.
Sua estrutura osteomuscular permite alta flexibilidade, o que é importante para a movimentação da cabeça, otimizando a função dos órgãos sensitivos (quando fazemos rotação da cabeça para buscar algo com os olhos p. ex.).
O arcabouço ósseo do pescoço é formado pelas cinco vértebras cervicais, o osso hioide, as duas clavículas e o manúbrio do esterno (Fig. 3).
Vértebras cervicais: as principais características das vértebras dessa região são a presença de processo espinhoso bífido na maioria delas, pequeno corpo vertebral, forame vertebral triangular e grande, bem como a existência de forames transversários (nos processos transversos) por onde passam as artérias vertebrais (exceto em C7). Essas vértebras formam uma curvatura convexa em relação à parte anterior do corpo chamada de lordose cervical, que se desenvolve nos primeiros meses de vida quando o bebê passa a manter o pescoço ereto e sustentar a cabeça. Vale ressaltar que algumas vértebras apresentam algumas atipias em relação às demais, como C7 que possui um longo processo espinhoso visível e palpável, sendo uma importante referência na anatomia palpatória. Além disso, C1 (atlas) e C2 (áxis) apresentam as peculiaridades a seguir (Fig. 4-6):
Vértebra cervical típica:
C1: chamada de atlas, articula-se com os côndilos occipitais e é constituído por duas massas laterais unidas por um arco anterior e outro posterior. Assim, não apresenta corpo vertebral nem processo espinhoso.
C2: é chamada de áxis e é a única a possuir um dente (ou processo odontoide) projetado superiormente que se articula com o atlas (articulação trocoide).
Osso hioide: localizado na região anterior do pescoço a nível de C3 (na altura do ângulo entre a mandíbula e a cartilagem tireóidea), é importante para manter as vias aéreas abertas e dar suporte à língua, sendo constituído por um corpo, um par de cornos menores e um de cornos maiores (Fig. 7). Esse osso não se articula com nenhum outro e fica suspenso por músculos que o unem a outros ossos (Fig. 8, 29, 30). Além dos músculos, os ligamentos estilo-hióideos deixam-no suspenso aos processos estiloides do temporal e a membrana tireo-hióidea (Fig. 9, 29, 30) ligam-no à cartilagem tireóidea.
Clavículas e manúbrio do esterno: fazem parte do limite inferior do pescoço e são locais de fixação de diferentes músculos dessa região (Fig. 8 e 9).
Abaixo da pele (epiderme e derme) encontra-se a tela subcutânea cervical formada por tecido adiposo que abriga nervos cutâneos, vasos, linfonodos e o m. platisma (Fig. 10). Esse músculo é laminar, muito delgado e recobre a face anterolateral do pescoço (Fig. 11), produzindo uma tensão na pele que libera a pressão das veias superficiais. O platisma possui origem em fáscia muscular de deltoide e peitoral maior, recobre o pescoço em meio à tela subcutânea e funde-se aos mm. da mímica superiormente. É considerado um dos mm. da mímica, por isso também recebe fibras motoras do nervo facial (NC VII) e está associado à expressão de tensão/estresse.
A fáscia muscular do pescoço, chamada de fáscia cervical, é composta por três lâminas (superficial, pré-traqueal e pré-vertebral) que sustentam as estruturas que recobrem, impedem a disseminação de infecções e reduzem o atrito (ao dividirem as estruturas em camadas, que deslizam entre si). Vale ressaltar que a fáscia cervical projeta-se e forma a bainha carótica, a qual envolve as artérias carótidas comuns, veias jugulares internas e nervos vagos.
Usando os mm. esternocleidomastóideo e trapézio como referências, pode-se dividir as estruturas superficiais do pescoço em quatro regiões descritas a seguir.
Região esternocleidomastóidea:
Limites da região: margens do músculo esternocleidomastóideo (ECM; Fig. 14).
Músculos: músculo ECM, o qual possui duas cabeças (esternal e clavicular) com uma fixação proximal e duas distais . Assim, fixa-se superiormente à linha nucal superior do occipital ao processo mastoide do temporal e, inferiormente, o tendão da cabeça esternal fixa-se ao manúbrio, e a cabeça clavicular carnosa e espessa fixa-se na face superior do terço medial da clavícula (Fig. 16). A distância entre ambas as cabeças forma a fossa supraclavicular menor (Fig. 15), visível como uma pequena depressão triangular em que, profundamente, encontra-se a parte inferior da veia jugular interna. É inervado por fibras motoras do nervo acessório (NC XI) e fibras sensitivas dos nervos C2 e C3.
Vasos: parte superior da veia jugular externa (Fig. 16);
Nervos: auricular magno (inerva bainha parotídea e a pele sobre o ângulo da mandíbula e lobo inferior da orelha) e cervical transverso (inerva pele sobrejacente à região cervical anterior; Fig. 16).
Região cervical posterior:
Limites da região: região posterior às margens anteriores do músculo trapézio (Fig. 17).
Músculos: trapézio, que é um músculo superficial do dorso, grande, triangular e plano que fixa-se ao crânio, à coluna vertebral e ao cíngulo do membro superior. Assim como o ECM, recebe fibras motoras do nervo acessório (NC XI) e fibras sensitivas dos nervos C2 e C3.
Nervos: ramos cutâneos dos ramos posteriores dos nervos espinais cervicais.
Região cervical lateral:
Limites da região: margem posterior do músculo ECM anteriormente, margem anterior do músculo trapézio posteriormente, terço médio da clavícula inferiormente, e linha nucal superior do occipital (entre os músculos citados) como ápice (Fig. 18). O teto é formado pela lâmina superficial da fáscia cervical, e o assoalho pelos músculos cobertos pela lâmina pré-vertebral da fáscia cervical.
Músculos: ECM e trapézio.
Artérias: subclávia, supraescapular (Fig. 19), cervical transversa.
Veias: jugular externa (Fig. 18-19), subclávia.
Nervos: ramos posteriores do plexo cervical, nervo acessório (NC XI; Fig. 19), troncos do plexo braquial.
Região cervical anterior:
Limites da região (Fig. 20): linha mediana do pescoço (anterior), margem anterior do músculo ECM (posterior), margem inferior da mandíbula (superior), incisura jugular no manúbrio (ápice), tela subcutânea que contém o músculo platisma (teto) e o assoalho é formado pela faringe, laringe e glândula tireoide. É subdividida pelos músculos digástrico e omo-hióideo (Fig. 21) em trígonos: submentual ímpar, submandibular, carótico e muscular.
- Trígono submentual: inferior ao mento e superior ao hioide. Os limites são o corpo do hioide (inferior), ventres anteriores direito e esquerdo dos músculos digástricos (lateral), músculos milo-hióides (assoalho), sínfise da mandíbula (ápice) e hióide (base).
-Trígono submandibular: limitado pela margem inferior da mandíbula e os ventres anterior e posterior do músculo digástrico, sendo preenchido pela glândula submandibular.
- Trígono carótico: limitado pelo ventre superior do músculo omo-hióideo, ventre posterior do músculo digástrico e margem anterior do músculo ECM. Nesse trígono, pode ser palpado e auscultado o pulso da artéria carótida comum ao comprimi-la levemente contra os processos transversos das vértebras cervicais.
- Trígono muscular: limitado pelo ventre superior do músculo omo-hióideo, margem anterior do ECM e plano mediano do pescoço.
Músculos: músculos extrínsecos da laringe (Fig. 21), que são divididos em:
- Supra-hióideos: milo-hióideo, gênio-hióideo, estilo-hióideo e digástrico; elevam a laringe e o hioide na deglutição, participam do controle da fonação; fixam-se no crânio e no osso hioide, formando uma base para a língua.
- Infra-hióideos: esterno-hióideo, omo-hióideo, esternotireóideo, tíreo-hióideos; também são envolvidos nas mesmas funções dos supra-hióideos, porém são inferiores ao hioide.
Artérias:
- Trígono submandibular: partes da artéria facial (Fig. 20).
- Trígono carótico: carótida comum e seus ramos, carótida externa e alguns de seus ramos,
Veias:
- Trígono submentual: pequenas veias que formam a veia jugular anterior (Fig. 20).
- Trígono submandibular: partes das veias faciais.
- Trígono carótico: jugular interna e suas tributárias.
Nervos:
- Trígono submandibular: hipoglosso (NC XII), milo-hióideo.
- Trígono carótico: vago (NC X), hipoglosso (NC XII), acessório (NC XI).
Além das vísceras cervicais, que serão exploradas adiante, as estruturas profundas do pescoço correspondem aos músculos pré-vertebrais e as estruturas da raiz do pescoço.
Músculos pré-vertebrais: são situados profundamente à lâmina pré-vertebral da fáscia cervical. São divididos em:
Vertebrais anteriores: são os músculos longos do pescoço e da cabeça, reto anterior da cabeça e escaleno anterior, são posteriores ao espaço retrofaríngeo e mediais aos plexos cervical e braquial e à artéria subclávia (Fig. 22 e 23).
Vertebrais laterais: são os músculos reto lateral da cabeça, esplênio da cabeça, levantador da escápula e escalenos médio e posterior (Fig. 22 e 23).
Raiz do pescoço:
Localização: por definição, “raiz do pescoço” (Fig. 24 e 25) é a área da junção entre o tórax e o pescoço, na face cervical da abertura superior do tórax formada pelo 1° par de costelas e cartilagens costais, manúbrio do esterno e corpo da vértebra T1.
Artérias: passam pela raiz do pescoço: o tronco braquiocefálico, maior ramo do arco da aorta, que segue superolateral à direita, onde se divide em artérias carótida comum e subclávia direitas; artéria subclávia esquerda, ramo mais à esquerda do arco da aorta; artéria carótida comum esquerda, ramo central do arco da aorta.
Veias: veia jugular esquerda, que drena couro cabeludo e face, veia jugular anterior, veia subclávia que termina na veia jugular interna para formar a veia braquiocefálica.
Nervos: vago que subdivide-se em nervos laríngeos recorrentes e nos ramos cardíacos; frênicos; e troncos simpáticos.
As vísceras cervicais são divididas em camadas (Fig. 26) de acordo com a função e localização. São elas: camada endócrina (a mais superficial), camada respiratória e camada alimentar (a mais profunda).
Camada endócrina:
Tireoide: formada por dois lobos situados anteriormente em relação à laringe e à traqueia, a nível de C5 a T1, e ligados por um istmo fino sobre a traqueia (Fig. 26 e 27). É uma glândula circundada por uma cápsula fibrosa fina e é responsável pela produção dos hormônios que regulam o metabolismo triiodotironina (T3) e tiroxina (T4). É irrigada pelas artérias tireóideas superior e inferior originárias da a. carótida externa e aa. subclávias, respectivamente, sendo drenada pleno plexo venoso tireóideo, o qual é composto por três pares de veias tireóideas, as veias tireóideas superiores, médias e inferiores. A drenagem linfática da glândula tireoide é feita pelos linfonodos pré-laríngeos, pré-traqueais e paratraqueais, do primeira será drenado para os linfonodos cervicais superiores e os dois últimos para os cervicais inferiores. A inervação ocorre por nervos simpáticos derivados dos gânglios cervicais superiores, médios e inferiores que chegam à tireoide através dos plexos cardíaco e periarteriais tireoideanos superior e inferior.
Paratireoides: são pequenas, ovais, achatadas e externas à cápsula da tireoide, podendo ocupar diferentes posições na face posterior dos lobos da tireoide (Fig. 28). Geralmente, são quatro, mas 5% das pessoas podem ter mais. A irrigação arterial é muito variável, podendo ser realizada por ramos das aa. tireóideas inferiores (mais frequente), tireóideas superiores, tireóidea ima ou outras. A drenagem venosa é feita pelas vv. paratireóideas que drenam para o plexo venoso tireóideo, e a drenagem linfática fica a cargo de vasos que drenam para os linfonodos paratraqueais e cervicais profundos. As paratireoides são inervadas por ramos vasomotores* dos gânglios simpáticos cervicais. *e não secretomotores, visto que tal glândula é controlada por hormônios e substâncias presentes no sangue.
Camada respiratória:
Laringe: órgão complexo entre a faringe e a traqueia responsável pela fonação e proteção das vias aéreas inferiores durante a deglutição, situada na região anterior do pescoço no nível de C3 a C6. De forma resumida, a laringe é formada por três cartilagens ímpares (tireóidea, cricóidea e epiglótica) e três cartilagens pares (aritenóidea, corniculada e cuneiforme; Fig. 29 e 30), por músculos extrínsecos (infra-hióideos, supra-hióideos e estilofaríngeo) e intrínsecos, os quais são agrupados em adutores (cricoaritenóideos laterais, aritenóideos transverso e oblíquo), abdutores (cricoaritenóideos posteriores), esfíncteres (cricoaritenóideos laterais, aritenóideos transversos e oblíquos e ariepiglóticos), tensores (cricotireóideos) e relaxadores (tireoaritenóideos). A laringe é irrigada pelas artérias laríngeas, ramos das artérias tireóideas superior e inferior; é drenada pelas veias laríngeas superior e inferior, tributárias da veia tireóidea superior e inferior, respectivamente; e é inervada por ramos do nervo vago, os ramos laríngeos superior e inferior.
Traqueia: é um tubo fibrocartilagíneo de cartilagens traqueais incompletas (Fig. 29 e 30), que mantém as via aérea pérvia, juntamente a seu epitélio ciliar que impulsiona o muco com resíduos em direção à faringe. Estende-se da laringe ao tórax, no nível de C7 a T4 e T5, e onde os aneis traqueais são incompletos, o músculo traqueal une suas extremidades. A traqueia termina com a divisão em brônquios principais direito e esquerdo.
Camada alimentar:
Faringe: localizada posteriormente à cavidade nasal e oral, percorre desde a base do crânio até a margem inferior da cartilagem cricóidea a nível de C6. É dividida em três partes, nasal, oral e laríngea (Fig. 31). A parte nasal da faringe tem função respiratória, sendo uma extensão posterior das cavidades nasais e contém um agregado de tecido linfoide chamado de tonsila faríngea e de adenoide quando aumentada. A parte oral da faringe tem função digestória, participando do processo de deglutição, contém um agregado de tecido linfoide de cada lado entre os arcos palatinos, chamados de tonsilas palatinas. A parte laríngea da faringe também tem função digestória, situada posteriormente à laringe, da epiglote até a cartilagem cricóidea, mantendo relação com as vértebras C4 a C6. Os músculos da faringe são os três constritores da faringe (superior, médio e inferior; Fig. 28) que formam a camada circular externa, e os músculos longitudinais internos (palatofaríngeo, estilofaríngeo, salpingofaríngeo). A faringe é irrigada pelas artérias tonsilar, ramo da artéria facial, palatina ascendente, lingual, palatina descendente e faríngea ascendente e é drenada pela veia palatina externa. A inervação é feita pelo plexo nervo faríngeo, com fibras motoras derivadas do nervo vago (NC X) e sensitivas do nervo glossofaríngeo (NC IX).
Esôfago: é um tubo fibromuscular que se estende da faringe ao estômago e é aderido anteriormente à traqueia (Fig. 31). É dividido em três partes: a cervical, inferior e intermediária, as quais são formadas respectivamente por músculo estriado, músculo liso e misto. É inervado pelos nervos laríngeos recorrentes, irrigado por ramos das artérias tireóideas inferiores e drenado por tributárias das veias tireóideas inferiores.
O trígono carótico (situado na região cervical anterior), além de ser um importante local de ausculta e palpação do pulso arterial, abriga duas estruturas importantes na homeostasia cardiovascular: o seio carotídeo e o glomus carotídeo.
É uma dilatação na artéria carótida interna em sua porção inicial, logo após a bifurcação da a. carótida comum (Fig. 32). Essa dilatação possui uma concentração de barorreceptores associados a fibras do nervo do seio carotídeo (ramo do n. glossofaríngeo) que são estimulados pela distensão da parede do vaso diante de um aumento da pressão arterial (PA). A partir desse estímulo, impulsos são enviados pelo n. glossofaríngeo ao centro cardiovascular bulbar, o qual modula os estímulos enviados ao sistema cardiovascular para que a PA diminua (aumento da atividade parassimpática e diminuição da simpática). Quando a pressão diminui (quando nos levantamos p. ex.), a frequência de impulsos enviados dos barorreceptores ao centro cardiovascular também diminui, estimulando os mecanismos de aumento da pressão (aumento da atividade simpática e diminuição da parassimpática). Dessa forma, os seios carotídeos regulam a PA no encéfalo e, de maneira análoga, o reflexo barorreceptor aórtico regula a pressão arterial sistêmica (Fig. 33).
É uma massa oval constituída de quimiorreceptores localizada medialmente à bifurcação da a. carótida comum (Fig. 32). Essa estrutura é suprida também pelo n. do seio carotídeo e detecta mudanças na quantidade de O2, CO2 e H+. Assim, a diminuição dos níveis de oxigênio (hipóxia), aumento de gás carbônico (hipercapnia) ou aumento de íons hidrogênio (acidose) estimulam o glomus carotídeo a enviar impulsos ao centro cardiovascular que, por sua vez, aumenta o estímulo simpático em veias e arteríolas, o que causa vasoconstrição e aumento da PA. Além disso, o glomus carotídeo envia impulsos ao centro respiratório, o qual aumenta a frequência respiratória.
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